sabe que dos teus detalhes me lembro pouco, como a tua mão caída na lateral do sofá e as tuas manias habituais, as quais eu me acostumei depressa e depressa também, esqueci. seus olhos já foram mais ardentes, seu jeito de falar já foi mais misterioso e cauteloso. hoje você parece vomitar palavras sem dó nem piedade, como se meu ouvido fosse penico, como se eu ainda tivesse que ouvir babaquices. eu lembro de você me ligar e ficar mudo do outro da linha e depois desligar e ligar em seguida, perguntando porque eu não atendia a merda do celular. eu sentia um prazer secreto em te ver ciumento, ainda que falsamente. certa vez estávamos sentados bebendo em um café turco na cidade e você folheava uma revista sem dar a mínima atenção ao que eu dizia, mas eu não me importava com isso. você que eu nunca me importei. e então eu esbarrei no copo e, como você estava ao meu lado, derramei café quente na sua calça e você se assustou, reclamou e voltou a folhear a revista. sabe, eu estava te dizendo coisas importantes que você nunca saberá (nunca não, quem sabe um dia...) porque estava ocupado demais. eu não queria fazer disso um conjunto de memórias amargas até porque a maior parte delas são doces e eu não estou as relatando aqui; só quero que saiba que perdemos muita vida vivendo coisas desnecessárias, momentos desnecessários e nos preocupando com detalhes desnecessários. nem por isso deixamos de ser felizes e ainda resta aquela carta que você me escreveu... ainda resta...
[...] continua