eu perdi anotações na biblioteca imensa que é minha mente. mas o perdido sempre é encontrado. logo, descobri a gaveta onde anotei meus segredos e minhas omissões. percebo agora o quão perigoso é esconder-se de si mesmo. neste momento, em sã consciência, entendo o tamanho da tenebrosidade que é omitir-se, negar-se. é como dizer a uma flor que ela não e uma flor. é fazer a flor acreditar que não passa de uma capim sujo e comum. um capim bastardo, fruto de nada. ou, pior, dizer a flor que ela não existe. no inicio, a tendência é não acreditar, depois, cria-se uma ideia de que "isso tudo é um sonho, não pode ser realidade", então vem a compreensão dos fatos. absorve-se a mentira ou a não-verdade, como preferir. eu estive cega e cega permaneci. tratei minha visão com colírios e atualmente uso óculos mas minha alma está cega para sempre. para sempre. entende a profundidade? consegue sentir a pontualidade que tem o "para sempre"? essa é a exata dádiva mentirosa. o "para sempre" é uma farsa e não é. é uma contradição, uma falsidade. como o mogno podre das gavetas que encontrei. a madeira falsa, o fundo da gaveta, também. tudo segue uma linha de conjuntos, pares perfeitos. para o branco, o preto. para o céu, as nuvens. há uma combinação inenarrável em tudo. para a mentira, a negação. não havia nada ali que eu já não conhecesse (mesmo que inconscientemente) então, no intuito de fingir a surpresa (que idiotice, fingir surpresa dos próprios fatos), neguei saber do que se tratava. continuo negando. já esqueci o meu passado e os pesares e mágoas que costumava carregar, joguei todos em uma poço sem fundo. meu único receio agora é que "os esquecidos" tenham se agarrado a alguma corda oculta ou, simplesmente, a uma pedra na parede do poço e estejam se rastejando de volta, lentamente vindo ao meu encontro. a mesa do café está posta. espero não ser pega desprevenida.