2010-11-22

sgradevolezza.

Dezesseis de outubro de mil novecentos e oitenta e dois. Era o aniversário de 5 anos de Magdaleno. Nessa época, o pai, ainda vivo, não bebia, não fumava, não batia na mãe, não levava prostitutas para casa na ausência dela. Ele ainda era um homem bom. Ainda dava a benção quando Magdaleno, Sofia e Marisa iam para o colégio. Ainda comprava alimentos para a família, mesmo que escassamente. Mesmo que de qualidade tão baixa quanto às lembranças deste aniversário, perdidas em meio às fotografias sujas do passado. O bolo era temático, mas ele não conseguia remeter o tema a nada que ele gostava. Embora desgostoso, é preciso dizer que ele apreciava o tempo que a mãe dedicara a fazê-lo. Um tempo raro, precioso, cultuado e necessário. Escasso. Vazio de sentimentos, mesmo sabendo que a mãe o amava. Ao tempo dela. As maneiras dela. E então, na hora do tradicional “parabéns”, Magdaleno cortou o bolo, retirou a fatia lambuzada de merengue e colocou-a em um prato plástico azul. Enquanto ouvia algumas orientações de deveria entregar a sua mãe ou ao seu pai, ele não sabia. Ele simplesmente não sabia a quem entregar pelo simples motivo de alguém ter lhe dito um dia que o primeiro pedaço estava reservado ao alguém que o coração indicasse primeiro. E ele não sentiu seu coração se mover. Ele (o coração) permaneceu exercendo sua função: bater, bombear sangue, fazer o peito pulsar ou o que mais ele faça. Magdaleno tampou os ouvidos e fechou os olhos como se quisesse ser alheio as pessoas e seus sorrisos indiferentes, suas caras de dúvida e seus comentários maldosos – “que garoto burrinho” ele ouvira. Ainda assim não ouviu nada. Não sentiu nada. Abriu os ouvidos e destampou os olhos, desceu da banqueta em que estava, segurou o prato de plástico azul com firmeza – a maior de sua vida – e tomou a fatia para si. Simples. Prático. Arrebatador. Comeu o bolo trancado no banheiro enquanto tios, tias, as futuras prostitutas do pai, vizinhas (algumas que até se encaixavam na classe anterior), primos e desconhecidos vinham, aleatoriamente, bater a porta para perguntar o que ocorria. Nada. Esse era o grande e real problema. Nada ocorria. Sentiu-se enjoar com as próprias lembranças. No quê ele se tornara? O quê ele era agora? Correu para o banheiro e vomitou o café da manhã na pia já suja. Sentiu seu coração pulsar, olhou no espelho e se viu nojento, com veias saltadas no pescoço, a boca melecada e os olhos vermelhos. Além disso, sentiu-se vivo e pulsante. Ele realmente estava ali.